Sustos da Vida nos Perigos da Cura
9781465570222
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Library of Alexandria
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Meu Amigo, e Senhor. Graças a Deos, que depois de huma enfermidade dilatada me acho restituido a estado de poder escrever a V. m. e naõ foi pequeno milagre escapar da cura, em que tive mayor perigo, do que aquelle, que me causava a molestia; pois por muito pouco que a natureza se descuidasse em me soccorrer, sem duvida entre a má applicaçaõ dos remedios perderia irremediavelmente a vida. Agora que me acho livre do susto nesta convalescença, ja que naõ posso fazer outra cousa, quero-me divertir ao menos em dizer a V. m. o de que escapei pelos enganos da Medicina, e pela ignorancia de alguns de seus professores, que ordinariamente se reputa por hum grande bem, e excellente soccorro para a conservaçaõ da vida; mas eu entendo que neste caso podemos exclamar com Seneca: Oh fallax bonum, quantum malorum fronte, quàm blanda tegis. E eu naõ sei se conseguiriamos huma melhor utilidade sem o suffragio deste chamado bem, do que com a introducçaõ deste honesto, e louvavel engano. Todos sabemos a correspondencia, que o homem, mundo abbreviado, tem com a grande extensaõ do mundo, porque assim como este subsiste pela uniaõ dos quatro elementos, assim tambem o corpo se conserva pela mistura dos seus quatro humores; e pervertido o bom equilibrio de algum delles, se conhece logo aquella ruina, que fica debaixo da sua jurisdicçaõ. Como naõ podemos conhecer estas causas occultas, recorremos ao soccorro dos Medicos, relatando-lhes os effeitos, que sentimos, para que elles, segundo os preceitos da sua arte, cheguem ao verdadeiro conhecimento das causas, e applicando-nos o remedio, restituaõ a natureza ao seu verdadeiro tom. Este he o fim da Medicina, e o para que{4} buscamos os seus professores. Mas hoc opus, hic labor est. Ninguem póde duvidar ser a Medicina huma arte Divina, e para credito da sua excellencia basta ser exercitada pelo mesmo Christo, de que o novo Testamento, nos offerece repetidos exemplos; e Deos pela boca do Espirito Santo nos manda honrar muito os bons, e verdadeiros professores desta sciencia: como tal tem seus principios certos para dirigir os seus professores, de sorte que a exercitem em utilidade dos homens, e em bebeficio das Republicas; porém os que se naõ applicaõ como devem no conhecimento desses principios, destroem sem duvida a excellencia da arte, e invertem o fim, para que ella se introduzio, de sorte que a enchem de imposturas, e defeitos; e enganando o mundo com a sua pessima pratica, fazem conceber a huma arte taõ nobre, e taõ necessaria hum odio entranhavel, hum susto continuo, e hum desprezo universal, de que se segue conceberem todos, que sem duvida andaõ enganados, e nunca desenganados destes falsos Medicos. Por este receyo entendo que naõ deixará de ser mil vezes melhor na presença de alguma queixa viver antes com ella, do que entregar-se nas mãos de qualquer Medico, pela difficuldade, que temos em distinguir o máo do bom; porque será muito melhor viver mais tempo, ainda que sujeito ao discommodo de huma saudade arruinada, do que abbrevir a vida com o pretexto de recuperar a saude. A enfermidade presente me acabou de desenganar, porque por muitos principios comprendi o pouco conhecimento, que alguns professores tem dos principios das queixas, e o muito, que confundem os effeitos com as causas; e o que he mais sensivel, o grande descuido, que tem em exercitar o officio de coadjutores da natureza, porque principiando a molestia por huma indigestaõ, quizeraõ tirar-me pelas veyas o mal, que tinha no{5} estomago; e concebendo a febre por causa, sendo na verdade effeito, arrastràraõ para a massa do sangue o que estava nas primeiras vias, e sem outra alguma evacuaçaõ me puzeraõ a morrer, quando com pouco trabalho me podiaõ ter curado; mas por naõ passarem da tarifa, para cuja observancia me parace que tem dado entre si juramento, sobre indigestaõ vieraõ leites, vieraõ tizanas, vieraõ frangos, e o que veyo de mais especial foraõ humas pitadas de nitro, e com a simples repetiçaõ destas drogas pertendiaõ livrar-me das garras da morte