Luiz de Camões marinheiro
9781465567291
33 pages
Library of Alexandria
Overview
O nosso Epico, o immortal auctor dos Lusiadas, o escriptor que fez com que o estrangeiro não esquecesse de todo o nome portuguez,’tudo isto se diz que foi Luiz de Camões. A fibra patriotica julga-se quite da divida de gratidão ao grande Poeta com ter-lhe erigido um monumento de gosto duvidoso, em sitio acanhado da capital, e com pronunciar o seu nome quando lhe dizem os desalentados que Portugal ê uma terra morta. Mas, por se orgulharem tanto de ser filhos do mesmo torrão em que nasceu Camões, nem por isso esses, que tantas vezes lhe citam o nome, sentem tentação de tomar conhecimento, sequer passageiro, do que elles dizem ser um padrão das nossas glorias; e, não fallando nos que propriamente se dedicam aos estudos litterarios, porque a esses incumbe o dever de conhecerem as obras do nosso Poeta, raro se encontrará nas classes illustradas um portuguez que dos Lusiadas tenha lido mais que as poucas oitavas selectas, que se encontram nos compendios de instrucção. Assim, ao passo que o inglez, o allemão ou o francez menos dado ás lides litterarias, mas que se preze de ter uma educação regular, conhece, possue, lè e cita amiudadas vezes Shakespeare, Milton e Byron, ou Schiller e Goethe, ou Moliére e Lafontaine, nðs, despresando as joias de metal sem liga pelos enfeites de ouropel, fallamos de Camões quasi como os cegos poderão fallar da luz. E o mal ê tanto maior quanto uma audaciosa escola contemporanea tenta arrogar-se o exclusivo de fallar verdade, de photographar a natureza, como dizem os seus corypheus, dando a entender que o que antes d'elles se escreveu era tudo falso, que ninguem tinha habilidade para copiar a natureza, e que sð elles sabem chamar as cousas pelo seu nome! Não nos permittem as nossas poucas forças entrar na liça contra essa escola, que hoje parece ter assambarcado o gosto e os louvores do publico; sð quizeramos pedir respeitosamente aos thuriferarios do novo idolo, que consintam a algum retrogrado da arte o conservar no mais intimo do seu espirito a crença de que, em tempos que já lá vão, houve quem escrevesse com realidade, quem pintasse a natureza tal como ella ê; consintam-lhe que, lendo o pobre Camões, encontre n'elle descripções verdadeiramente reaes ou realistas, porque são apenas verdadeiras. Para se ser poeta, verdadeiramente poeta, para se fallar poeticamente da natureza ou das artes, não basta ter a inspiração do rythmo, saber alinhar palavras ora altisonantes ora docemente musicaes; ê necessario conhecer a natureza, conhecer as artes e as sciencias de que se quer fallar, ê necessario sentil-as, consubstanciar-se com ellas. Para fallar de astronomia, ainda mesmo poeticamente, ê necessario conhecer os astros; para fallar do mar ê necessario ter percorrido os oceanos, ter presenciado as tempestades, ter soffrido com o marinheiro, porque quem não sabe a arte, não na estima (Lus. V, 97