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A Guerra:Depoimentos de Herejes

Depoimentos de Herejes

9781465566164
pages
Library of Alexandria
Overview
AO LEITOR. Esta primeira Egloga, ha 16 annos impressa, agora faço-a reimprimir, para tirar-lhe as lisongeiras Cartas, para emendar-lhe algumas passagens com melhor escolha, para curar-lhe alguns vicios gerados por aquelles, que duas vezes a reimprimírão, a pezar do meu gosto, e para ligar ambas as Partes, por que a primeira dá a materia para a segunda. Se me increparem, porque faço domavel o Gigante Polyfemo, contra a opinião dos melhores Poetas, respondo: He verdade, que a Fabula nos mostra este Cyclope hum monstro de crueldade, de extraordinarias forças, e destemido: hum tragador de seis companheiros de Ulysses, e delle mesmo o seria, se astucioso não lhe fugisse: hum soberbo em fim, que declamava, que nem ao mesmo Jupiter temia; mas pergunto: Este Gigante era humano, ou não? Todos me dirão, que sim. Pois se era humano, era sugeito ao imperio da Razão, com cujas armas o ataco, e o venço: e só seria inverosimil, se eu com a razão accommettesse hum Tigre, hum Leão, huma Serpente. Se os mais não pizárão esta estrada, porque não quizerão, pizo-a eu, porque quero, e por que posso, sem atropelar a verosimilhança. Se altero o caracter da Egloga; se me aparto da simplicidade pastoril; se faço inflammar Polyfemo, e respirar vingança, he porque eu não pinto hum daquelles Pastores do Seculo de oiro, em que reinava a mansidão, e o socego de espirito; pinto hum Cyclope, hum Pastor ferino, que abrazado no ciume, e na ira, deo barbara morte ao mancebo Ácis, lançando-lhe em cima hum penhasco: catástrofe, que eu não pinto, por não fazer huma Egloga com espirito de Tragedia. Eu tive a fortuna, de que alguns homens (discrétos homens!) dissessem, que não era minha a minha Egloga Deploratoria intitulada JOSINO na chorada morte do Principe o Senhor D. JOSÉ. Eu serei feliz, se agora tiver a mesma fortuna, porque se esses contrastes duvidarem de ser minha esta obra, boa será ella pela sua avaliação. Esses, que duvidão, examinem, busquem, descubrão o legitimo, e o mostrem para gloria sua, e descredito meu. Conheça o mundo o homem virtuoso, o homem raro, que se cançou naquella composição, para renunciar em mim a posse, o lucro, e o credito della. E se eu a furtei, onde estás homem roubado, que não acodes ao teu cabedal, sabendo, que em meu poder existe? Denuncía-me; clama justiça contra mim. Ah! Ninguem falla? Ninguem me acusa? Pois acuso-me eu, mas he da temeridade de emprehender a guerra sem ter armas: de querer lugar na Républica das Letras sem ser Cidadão de Athenas: de fazer Versos sem beber da Castália, sem soccorro das Musas, sem conhecer Apollo. Os Versos (toscos Versos) que ha trinta annos escrevo, são os denunciantes, as testemunhas, e os Juizes do meu crime. Acusem-me, como eu me acuso deste delicto; porém não de roubador, officio imfame, que não cabe em almas honradas; mas se os críticos me arguirem pelos pobres, insulsos Versos, devem igualmente attender em minha defensa, que estes se não tem mel, tambem não tem veneno; se não deleitão, tambem não ferem. Isto supposto, fação-me Justiça