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Côrte Na Aldeia E Noites De Inverno (Complete)

9781465565495
213 pages
Library of Alexandria
Overview
Perto da cidade principal da Luzitania está uma graciosa aldeia, que com egual distancia fica situada á vista do mar oceano, fresca no verão, com muitos favores da natureza, e rica no estio e inverno com os fructos e commodidades, que ajudam a passar a vida saborosamente; porque com a vizinhança dos portos do mar por uma parte, e da outra com a communicação de uma ribeira, que enche os seus valles e outeiros de arvoredos e verdura, tem em todos os tempos do anno o que em differentes logares costuma buscar a necessidade dos homens: e por este respeito foi sempre o sitio escolhido para desvio da côrte, e voluntario desterro do trafego d'ella: dos cortezãos, que alli tinham quintas, amigos ou heranças, que costumam ser valhacouto dos excessivos gastos da cidade. Um inverno em que a aldeia estava feita côrte com homens de tanto preço, que a podiam fazer em qualquer parte, se juntava a maior d'elles em casa d'um antigo morador d'aquelle logar, que tambem o fôra em outra edade da casa dos reis, d'onde com a mudança e experiencia dos annos, fez eleição dos montes para passar n'elles os que lhe ficavam da vida, grande acerto de quem colhe este fructo maduro entre desenganos. Alli ora em conversação aprazivel, ora em moderado e quieto jogo se passava o tempo, se gosavam as noites, se sentiam menos as importunas chuvas e ventos de novembro, e se amparavam contra os frios rigorosos de janeiro. Entre outros homens, que n'aquella companhia se achavam, eram n'ella mais costumados, em anoitecendo, um letrado que alli tinha um casal, e que já tivera honrados cargos do governo da justiça na cidade, homem prudente, concertado na vida, douto na sua profissão, e lido nas historias da humanidade: um fidalgo mancebo, inclinado ao exercicio da caça, e muito affeiçoado ás cousas da patria, em cujas historias estava bem visto: um estudante de bom engenho, que entre os seus estudos se empregava algumas vezes nos da poesia: um velho não muito rico, que tinha servido a um dos grandes da côrte, com cujo galardão se reparara n'aquelle logar, homem de boa creação, e, além de bem entendido, notavelmente engraçado no que dizia, e muito natural de uma murmuração que ficasse entre o couro e a carne, sem dar ferida penetrante. Ao senhor da casa chamavam Leonardo, e ao doutor Livio, ao fidalgo D. Julio, ao estudante Pindaro, ao velho Solino. Fóra estes havia outros de quem em seus logares se fará menção, que assim como os mais, não eram para engeitar em uma conversação de poucas porfias. Uma noite do novembro, em a qual já o frio não dava logar a que a frescura do tempo convidasse ao sereno, estando ainda Leonardo á mesa, porém no fim das iguarias, bateram á porta Pindaro e Solino, aos quaes o velho mandou abrir com grande alvoroço e festa; porque a de o buscarem era a que mais estimava por sua. Subiram, agasalhou-os com contentamento e cortezia. Sentaram-se perto da mesa, e disse o senhor da casa:—Peza-me que não viesseis mais cedo, que me poderieis acompanhar n'este trabalho tão necessario da velhice.